10 de abril de 2009

Sem palavras

Por Milena Azevedo*

Uma história em quadrinhos bem escrita não precisa necessariamente ter algum texto, seja ele em forma de recordatório ou balão, para ser compreendida.

Quando faço essa afirmação, também me coloco como uma leitora e pesquisadora que entende, assim como o Prof. Moacy Cirne, a calha/sarjeta como elemento fundamental dessa mídia, não o balão. A calha permite que o leitor construa a história – e dê seu próprio ritmo a ela – junto com o autor.

Os mais radicais vão me lembrar que as histórias em quadrinhos utilizam imagens e textos para passar uma mensagem, pois o texto vem, muitas vezes, como um reforço da própria imagem. Tudo bem. Às vezes é necessário se acrescentar palavras, mas às vezes não. Principalmente quando o roteirista é o genovês Giancarlo Berardi.

Berardi tem um estilo único. Seus roteiros são tão bem escritos e suas parcerias com desenhistas tão sintonizadas que terminam por sincronizar, de forma ímpar, a ideia da ação e a sua representação. E o parceiro mais longevo de Berardi é o desenhista Ivo Milazzo, seu conterrâneo.

Ao se ler os quatro volumes dos especiais de KEN PARKEROS FILHOTES, A LUA DA MAGNÓLIA EM FLOR, SOLEADO e PÁLIDAS SOMBRAS –, lançados com tiragem limitada pela Cluq, entre 2007 e 2008 (cada um custando R$ 30,00), vivenciamos situações dramáticas tão intensas quanto uma peça de Shakespeare ou de Tennessee Williams, e filmes de Vittorio De Sica ou de John Ford.

Como na maioria das aventuras de KEN PARKER, nem sempre o destaque fica sobre Rifle Comprido. Nessas quatro edições especiais (OS FILHOTES já havia sido publicado com o título OS CERVOS, mas os outros três volumes eram publicações até então inéditas, no Brasil), é o romantismo quem dá o tom principal, por isso a natureza – fauna e flora – termina sendo a personagem central das histórias.

Em OS FILHOTES, KEN PARKER se vê cuidando, em pleno inverno, de uma família de cervos, cuja mãe ele havia alvejado; um casal de índios cruza o seu caminho e os méritos do guerreiro são colocados em diferentes pontos de vista, em A LUA DA MAGNÓLIA EM FLOR; SOLEADO mostra KEN PARKER sobrevivendo sob o sol escaldante do deserto, procurando um cavalo para si; e PÁLIDAS SOMBRAS narra a relação entre caçador e caça – KEN PARKER e um bisão – em meio a uma chuva torrencial.

Todas as histórias são compostas por belíssimas imagens em aquarela, emulando poesia antitética entre os tons claros e suaves e a realidade das passagens retratadas. E as imagens bastam porque Milazzo consegue transmitir toda a emoção necessária a cada cena, tal qual Chaplin, que não precisava falar em seus filmes para se fazer entender.

Para se ler qualquer história da dupla Berardi e Milazzo o requisito é treinar não apenas o olhar, mas sim o coração.

KEN PARKERBlog



  • Milena Azevedo é Mestre em História pela UNISINOS, poeta, contista, empresária e divulgadora da Arte Sequencial. Para acessar o seu blog , clique aqui.

9 comentários:

Adalton Silva disse...

"Para se ler qualquer história da dupla Berardi e Milazzo o requisito é treinar não apenas o olhar, mas sim o coração."

Definitivamente esta é a afirmação mais linda que já li na vida.

Milena Azevedo disse...

Obrigada, Adalton. Qualquer um que tenha lido não só Ken Parker, mas Tom´s Bar, Contrastes e Noturno, sabe que essa afirmação é verdadeira.

É sempre bom a gente encontrar artistas que façam emocionar sem precisarem ser apelativos. E, muitas vezes, só a imagem basta. Coisa de quem é fera, de quem sabe como fazer.

Antes de conhecer a dupla, só havia me emocionado pra valer com Will Eisner.

Berardi e Milazzo realmente fazem a diferença hoje em dia.


[]s,
Milena

JoguL disse...

Perfeita a sua análise de Il Respiro e il Sogno, Milena: simples, objetiva e carregada de sensibilidade, bem ao modo de Berardi & Milazzo.

Ler, ver e sentir esses dois é, também, uma forma de recordar Will Eisner.

Abraço,
João Guilherme.

AMoreira disse...

O Will merece ser revenciado por todos os amantes da Arte Sequencial, pois ninguem foi tão importante quanto ele para a 9ª arte.

Grimm disse...

Tem um novato por aê, um norueguês que assina como Jason que tb manda muito bem em estórias mudas com personagens cartunesto antropomorficos.

Recentemente adquiri a excelente Contrastes, que tb tem alguns otimos "roteiros mudos" (apesar de não ter gostado muito de Flyboy).
Tom´s Bar já esta na lista de prioridades junto de "Um principe Para Norma (esta parece ser a mais difícil de conseguir).

Lucas Pimenta disse...

Gosto é mesmo uma coisa curiosa...

Grimm, eu adorei muito mesmo, Flyboy!!

Que final excelente!

JoguL disse...

Grimm, você encontra Um Príncipe para Norma na Comix http://www.comix.com.br/advanced_search_result.php?keywords=Um+pr%EDncipe+para+Norma&x=25&y=4
e no próprio CLUQ
cluq@terra.com.br

Vale a pena! Já Tom's Bar está esgotado e não aparece nem para chá.

Abraço,
João Guilherme.

Milena Azevedo disse...

É verdade, Tom´s bar está esgotado. Assim que eu abri a GHQ, foi o título que mais vendeu, principalmente porque o pessoal da Comix me mandou todos com o autógrafo do Milazzo (eu peguei um pra mim também).

Um príncipe para Norma é fácil de encontrar e é bom ficar ligado porque o pessoal da CLUQ faz umas promoções bacanas. Pena que não pude aproveitar a última.

E, Grimm, não conheço o artista norueguês, o Jason, mas vou procurar.


[]s,
Milena

Grimm disse...

Não se arrependerá de conhecer o Jason (publica pela Fantagraphics), tou com dois albúns deles aqui, made usa, muito bom e conheci através de uma amiga que me enviou uns scans.

Quanto as promoções da CLUQ, as que chegam aqui em BH são de causar riso:
Na última vez que vi tinha desconto de um real nos Ken Parker´s.
Então prefiro garimpar por outros meios e lugares.