Ninguém melhor descreveu o sertanejo nordestino que Euclides da Cunha e poucos encarnaram tão bem esse Hércules-Quasímodo como Antonio Cedraz. Esta entrevista é um reconhecimento ao adolescente que, na Jacobina dos anos 50, acreditou ser possível desenhar como Marjorie Henderson Buell e ao homem que ousou criar sua própria editora, publica seus próprios projetos e divulga, nas escolas, o seu trabalho: o papai do Xaxado, Mestre da HQ Nacional por direito, que prefere Tex a Ken Parker (está desculpado). Um dia, Cedraz foi homenageado por Ivo Milazzo. Hoje, retribui o carinho com um desenho belíssimo, Rifle Comprido assume ares de um típico sertanejo do nosso Nordeste, meio que desengonçado, como assim descreveu o autor de Os Sertões, mas pronto para surgir como um titã acobreado e potente.
Cedraz é, antes de tudo, um teimoso.
01- Conte-nos, quem é Antonio Cedraz?Cedraz é, antes de tudo, um teimoso.
Antonio Cedraz é um cabra vindo do interior, cidade de Jacobina. Tem 64 anos e muitos sonhos para serem realizados. Sou pai de três filhos e avô de três netos.
02- Quando surgiu seu interesse pelos quadrinhos? E quais quadrinhos lia nessa época?
Quando cheguei em Jacobina, descobri essa coisa mágica que são os quadrinhos. Texto e imagem convivendo numa mesma revista. Nessa época eu lia tudo que aparecia em quadrinhos, faroeste, terror, aventura, guerra, ficção, humor e principalmente os infantis. Mas meu predileto era mesmo Tarzan e depois Tex.
03- O interesse por quadrinhos veio primeiro do que pelos desenhos? Como o senhor aprendeu a desenhar?
Antes eu pensava que não se fazia desenhos no Brasil, depois vi um garoto desenhando e fui tentar desenhar também. Gostei do resultardo e resolvi ser desenhista. Aprendi a desenhar copiando os autores com quem mais me identificava.
04- Seu traço possui semelhança com personagens de Maurício de Souza, ele é sua maior influência? Que outros artistas influenciaram seu traço, seu trabalho?
O Maurício foi uma grande influência, mas bebi na fonte de Marge (Luluzinha e Bolinha), Disney, e dos brasileiros Orlando Pizzi, Izomar e Igayara.
05- O senhor, hoje ainda lê quadrinhos?
Claro que sim, mas não todos. Hoje escolho mais os que me agradam. Já li muito super-herói, mas hoje não leio mais. Estão muito chatos. Prefiro um bom Tex, Ken Parker ou quadrinhos brasileiros. Tenho descoberto muitos quadrinhos brasileiros muito bons.
06- Qual foi seu primeiro trabalho publicado? Foi na Bahia?
Meu primeiro trabalho publicado foi numa editora de São Paulo (não me lembro o nome) depois na Edrel.
07- Quando criou a Turma do Xaxado?
Em 1998.
08- Seu trabalho é voltado para as crianças, qual sua relação com elas?
As crianças são sinceras e muito criativas. Quando vou às escolas fazer algum bate-papo, me divirto muito com as perguntas criativas das crianças.
09- Xaxado já saiu em livros didáticos de diversas editoras.
Qual sua relação com as escolas e qual a opinião do senhor para a utilização dos quadrinhos em sala de aula?
Utilizo as escolas como meio para vender e difundir o meu trabalho. Hoje os quadrinhos são usados para incentivar a leitura e procuro mostrar isso em minhas palestras e em meu trabalho.
10- Muitos afirmam que seu trabalho é regionalista, voltado ao público nordestino. Eu acredito mais na universidalidade do seu trabalho, por tratar, sobretudo, de temas humanos e de compreensão para qualquer povo, não importando o lugar onde se vive. Qual sua opinião a respeito?
Uma vez um autor baiano me falou que eu nunca ia fazer sucesso com o Xaxado porque ele era muito regional. Engraçado que o sucesso do Xaxado é justamente por ser regional. Quanto à universalidade, já recebi e-mail até de Portugal. Só alguns editores de jornais ou revistas que falam isso como desculpa para não publicar. O Xaxado já foi publicado no maior jornal de Porto Alegre, O SUL, e fez muito sucesso.
11- O senhor criou a Editora Cedraz, poderia nos falar um pouco sobre sua produção editorial? O custo das edições, paga-se com as vendas ou o senhor tem que tirar do próprio bolso?
Criei a Editora Cedraz para poder ter onde publicar os meus trabalhos. Nenhuma editora queria publicar então peguei uma grana minha e montei uma editora. Hoje já temos mais de 20 títulos do Xaxado, alguns já em 3ª edição. As vendas pagam os custos e ainda sobra algum para investir em outra edição ou outro título. Além da Editora Cedraz o Xaxado é publicado na Editora Paulinas. Tenho um livrinho, Vamos Rezar, que já está na 4ª edição, em cerca de dois anos.
12- O mercado editorial brasileiro vem crescendo bastante ultimamente, abrindo espaço para autores nacionais e uma variedade maior de trabalhos de vários estilos nos quadrinhos. Como isso tem beneficiado o senhor?
Até agora não me beneficiou muito não...Minhas publicações são vendidas praticamente na Bahia. O maior favorecimento é na divulgação. Estão divulgando mais os autores brasileiros.
13- Como é feita a distribuição do seu material?
Eu tenho uma pessoa que faz contato com as escolas e monta uma feirinha. Eu vou lá faço uma palestra falando do meu trabalho e depois vendemos os livros. Estou pretendendo fazer uma distribuição maior, mas às vezes as vendas não compensam e não pagam nem o porte dos Correios.
14- Além da turma do Xaxado, quais outros personagens o senhor já criou e o que pode vir de novo por ai?
Já fiz muitos personagens. Os mais conhecidos foram o Joinha, que marcou época e ainda é lembrado por muitos leitores e o Pipoca. Ambos foram publicados em várias partes do Brasil, em jornais e até no exterior. Tenho também a Mutuca, uma garota que joga futebol, mas engavetei tudo e atualmente só estou fazendo a Turma do Xaxado.
15- Fale-nos dos prêmios ganhos e sobre ser considerado Mestre da HQ Nacional.
Mestre, eu nunca me considerei. O título foi uma homenagem aos meus muitos anos de luta para fazer quadrinhos. Tem também seis prêmios HQMIX e outros.
16- Fale-nos sobre o Projeto Xaxado Itinerante.
O Projeto Xaxado Itinerante é para comemorar os 10 anos do Xaxado. Consta de uma exposição de tiras do Xaxado desenhadas por colegas do Brasil todo. Infelizmente, por causa do tempo, não pude convidar muitos outros artistas que certamente gostariam de ter participado e mereciam estar presente. Fica para a próxima. O projeto vai percorrer algumas cidades da Bahia e quem sabe de outros Estados. Já estão me convidando.
17- Fale-nos um pouco sobre a participação desses artistas.
Fiz o convite aos que me pareceram mais receptivos e eles toparam sem questionar. Todos estão na exposição e também no livro. O livro está ficando muito bonito.
18- O livro, na verdade, é uma edição muito especial, 1000 tiras em quadrinhos da Turma do Xaxado. Como o personagem já possui mais de 2.500 tiras, como foi o processo de escolha de qual tira entrava e qual ficava de fora? O senhor participou dessa seleção?
2.500 tiras não. Já passamos de 3.800 e vem mais por aí. De última hora deixei de fazer a escolha e resolvi publicar em ordem sequencial da tira 2.000 até a 3.000. Foi mais fácil e menos doloroso.
19- Xaxado já foi tema de dissertação de mestrado. Como é ver o seu personagem ganhar asas, além dos limites propostos inicialmente: Os quadrinhos?
Surpreendente. São coisas que não podemos imaginar. De repente chega um cara que você não conhece e pede uma entrevista para uma tese de mestrado. No princípio você fica incrédulo; como pode uma historinha contando das coisas do meu sertão estar despertando tanta curiosidade? É incrível! É muito bom, significa que você não está nessa vida só passando, você está também contribuindo.
20- Vamos a KEN PARKER. Quando o senhor conheceu o personagem?
Leio o Ken Parker desde o início. Eu comprava sempre as revistas do Tex e quando vi um faroeste diferente nas bancas comprei e gostei muito. A proposta é muito diferente do Tex e mais trabalhada. No entanto prefiro mais o Tex (desculpe) por ser mais popular. Gosto das coisas populares.
21- O que acha do trabalho de Berardi e Milazzo?
Muito bom. Um enredo cativante e um traço marcante.
22- Qual desenhista que trabalhou com o personagem o senhor prefere?
Desculpe, não sei dizer, preferia quando era desenhado pelo Milazzo.
23- Poderia citar as cinco melhores histórias que já leu?
Não. Gosto mais da primeira fase. A fase atual não me agrada muito.
24- E as cinco piores?
Não sei.
25- Além de KEN PARKER, qual outro trabalho da dupla o senhor conhece?
Não lembro.
26- Em uma de suas visitas ao Brasil, Milazzo, a pedido do seu amigo Wagner Augusto, editor do CLUQ, desenhou Xaxado junto com KEN PARKER. O que o senhor achou dessa homenagem?
Wagner é um amigão meu de São Paulo e foi ele quem pediu ao Milazzo para desenhar o Xaxado. Foi surpreendente. Magnífico!
27- Claro que nosso blog tem uma proposta, e esperamos que o senhor aceite-a. Como uma retribuição a Milazzo e para deleite nosso e de nossos leitores, o senhor poderia fazer um desenho de KEN PARKER junto ao Xaxado?
Vou fazer o desenho sim, me dê só mais um tempinho. Depois da bienal, eu faço.*
*Cedraz respondeu a estas perguntas dias antes da realização da Bienal do Livro da Bahia, enquanto cuidava do Projeto Xaxado Itinerante. O desenho ao lado foi realizado depois do evento.
28- Mestre, fica aqui nosso eterno agradecimento, por essa magnifica entrevista e esperamos contar com novas colaborações do senhor, quem sabe já na próxima Semana do Quadrinho Nacional? Janeiro de 2010! Prepare-se!
Sempre as ordens. Que venham as surpresas. Gosto muito de ser surpreendido.
Lucas Pimenta
10 comentários:
Parabéns amigos por mais esta bela entrevista.
Dar destaques aos nossos quadrinhistas é mais que uma homenagem, é uma obrigaçao.
Grande abraço.
Sempre defendi que zelar por tudo que é nosso não é obrigação, mas direito.
Obrigado, meu caro, por tudo. Hoje, se tivesse que dar uma cara ao KPBlog, com certeza, escolheria a sua. Se alguém, em nenhum momento, não abandonou essa idéia foi você.
Abraço.
Agradeço ao Mestre Cedraz pelo bate-papo com o KPBlog, seu desenho, que me emociona como a um menino e sua história, que me engrandece como brasileiro.
Obrigado, Lucas, pelo seu sonho (que não é de hoje) realizado, rever Xaxado e Ken Parker, novamente, juntos e, desta vez, nos traços de Cedraz.
Por fim, agradeço o privilégio de viver, de alguma forma, essa feliz consequência Milazzo-Xaxado-Ken Parker-Cedraz-Ken Parker-Xaxado.
Estou por aqui, mas sempre de olho no Blog.
Um trabalho dessa qualidade nao pode deixar de ser acompanhado.
Feliz 2010 a todos.
Lucas e Cedraz;
Muito obrigado a ambos pelo bate-papo. É sempre bom saber um pouco mais sobre a vida e obra de um mestre (mestre sim Cedraz, é isso que você é).
Ninguém merece tanto o título de mestre do quadrinho nacional quanto o Cedraz. Sua trajetória e seu trabalho são fontes de inspiração para todos os profissionais (ou aspirantes) de quadrinhos no Brasil.
Parabens ao blog por mais esta entrevista! Isto porque Jogul disse que estava sem tempo, achando o blog meio abandonado. Ledo engano...
Mestre Cedraz peca em preferir Tex a Ken, mas acerta na lata quando diz, sem saudosismo, que gibis como os de Ken são melhores do que os super heróis atuais, chatos demais.
Um abraço a todos.
Grande Sergio... Muito obrigado.
Cervantes... Sua presença é sempre valiosa...
Abraços
Olá, Cervante!
Não é pecado preferir Tex à Ken Parker ou os super-heróis, ou mangás... Há espaço para todos os gêneros e liberdade para todos os gostos. Mais do que tudo, o KPBlog desejou homenagear um homem que escreveu seu nome na História dos Quadrinho Nacional com as unhas.
Abraço
Meu amigo Lucas,
Acabei de chegar do Rio de JANEIRO, onde passei umas fériazinhas, e fui ler a entrevista do seu blog. Fiquei emocionado com a homenagem. Mais emocionado ainda pelos comentários dos leitores sobre o meu trabalho. Deus o ilumine e o recompense.
Um grande abraço e mais uma vez,obrigado pela lembrança e homenagem.
O amigo de sempre
Cedraz
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