17 de março de 2008

AMoreira: Arte e bom viver!


01- Em poucas palavras, quem é Antonio Carlos Moreira?
Antonio Carlos Moreira é um cara que nasceu em Niterói, no Rio de Janeiro, tentou ser primeiramente desenhista, depois engenheiro e hoje ganha a vida como Gerente da Contabilidade de uma Metalúrgica.
Nascido em 1949, gosta muito da vida em família, e de churrasco e cerveja em casa ou na casa de amigos.
É apaixonado pela vida no campo e histórias em quadrinhos de faroeste.
Não tem muitos amigos, mas é extremamente leal aos que tem.

02- Agora, defina AMoreira?
Amoreira já foi ACarlos.
Desde quando comecei a rabiscar meus heróis, em papéis que meu pai me trazia de seu trabalho, assinava meus desenhos como ACarlos, e assim o fazia quando estava na EPA (Escola Panamericana de Arte).
Quando abandonei a carreira (tentativa) de ilustrador, para ganhar a vida como Contador, por volta dos meus 20 anos, ACarlos foi abandonado com ela.
Depois, na fase mais madura de minha vida, quando comecei a me dedicar à pintura de quadros, óleo sobre tela, nasceu o Amoreira, pintando o interior brasileiro, paisagens e as cidades históricas de Minas Gerais.
Amoreira é um apaixonado pelas artes gráficas, seja ela em forma de desenho, pintura ou qualquer outra.
A pessoa do Amoreira não teria sobrevivido até hoje se não fosse essa paixão, que mesmo no exercício de outras atividades, nunca deixou de se interessar pela arte, seja como admirador ou como partícipe.

03- Você foi daqueles que aprendeu a ler com os quadrinhos?
Ainda hoje vejo a minha imagem, bem criança, nas bancas de jornal folheando “gibis”.
Não sei se aprendi a ler com os gibis, ou se os gibis me levaram a aprender a ler, o que me lembro é que sempre tive uma quantidade muito grande de gibis, e que havia um grande fluxo de crianças lá em casa trocando gibis de todos os gêneros, esse era o meu negócio quando criança.

04- Qual foi o seu primeiro herói no papel, já era um caubói?
Lembro-me que meus heróis preferidos eram o Cavaleiro Negro, o Fantasma, o Mandrake, o Ferdinando e o Brucutu, nesta ordem, e tinha também aqueles faroestes em forma de talão de cheques.
Acredito que os “caubóis” já estavam em primeiro lugar, uma vez que meus desenhos naquela época eram quase que exclusivamente sobre faroeste.

05- Cite outras personagens que você gostava.
Reportando-me àquela época, lá pelo final dos anos 50, me lembro que lia todos os faroestes, e eram muitos naquela época, tinha os dois Zorros, Hopalong Cassidy, Red Ryder, Flecha Ligeira, Durango Kid, Cisco Kid, Buck Jones, Roy Rogers, Rock Lane, Davy Crockett, Rei da Polícia Montada, Paladino do Oeste e tantos outros que levaria uma página inteira para nominá-los, sem falar em Tarzan, Ferdinando, Príncipe Valente e a Turma do Pererê.


06- Você é capaz de se lembrar do seu primeiro gibi, ou qual foi aquele que marcou sua infância, o mais especial?
Não me lembro do primeiro, não, mas com certeza o especial foi aquele em que eu identifiquei, pela primeira vez, uma cena erótica, já que minha principal diversão naquela época era reproduzir os abraços e beijos entre os “heróis” e as “mocinhas”, só que com menos roupas (he, he, he).

07- Fale da sua história com a saudosa Editora Vecchi.
Meu primeiro contato com a Editora Vecchi, uma verdadeira fábrica de heróis, foi numa visita programada pela escola em que estudava na época, coordenada pela nossa professora de Artes, naquela época era matéria obrigatória, lembra?
Conhecemos todo o processo de produção gráfica de uma revista, e ganhamos muitas revistas, retiradas do estoque de encalhes. O interessante é que naquela ocasião, pensávamos que todas as histórias (roteiro e desenho) eram produções de artistas brasileiros.
Depois desta visita, aprendido o caminho, atravessei muitas vezes a Baía da Guanabara, para bater às portas da editora pedindo doação de revistas, foram tantas as visitas que fiquei conhecido, e a minha entrada era franqueada sem nenhum problema, minha coleção era enorme, e o comércio de troca de revista só fazia aumentar, uma vez que eu trocava uma (que eu tinha), por duas usadas do interessado na troca.
Ah! Que saudade da Vecchi!

08- Quando descobriu que sua segunda paixão era o western?
Quando percebi que os heróis do faroeste eram pessoas que poderiam ter realmente existido, que diferentes dos super-heróis, viveram em cidades das quais há referências históricas, eram desbravadores, pioneiros, colonizadores antes de qualquer coisa.

09- Que "moçinho" (nós somos daquele tempo) despertou essa paixão?
Sem dúvida o Cavaleiro Negro.

10- O que o atraia mais, os filmes ou os gibis?
Esta é uma pergunta difícil de se responder, os gibis reproduziam uma época melhor que os filmes, uma vez que naqueles tempos não havia a tecnologia e os efeitos especiais de hoje, e os bang bangs eram assistidos nas matinês de domingo por capítulos e as cópias dos filmes eram horríveis.
Muito tempo depois, assisti Sete Homens e Um Destino, filme impagável, que revejo até hoje, com a mesma emoção.
Hoje existem filmes com fotografias lindíssimas, que reportam uma beleza inigualável, reproduzindo qualquer época de forma magistral, mas creio que os álbuns de faroeste franco/belga ainda superam qualquer produção cinematográfica do gênero.


11- Pergunta difícil, os cinco melhores atores do Bang Bang?
Neste caso são sete: James Stewart, Alan Ladd, John Wayne, Clint Eastwood, Gregory Peck, Gary Cooper e Burt Lancaster, em qualquer ordem.

12- Os cinco melhores filmes?
Na realidade vou indicar seis: Sete Homens e Um Destino, Rastros de Ódio, Meu Ódio Será Sua Herança, Três Homens em Conflito, Era Uma Vez no Oeste e os Brutos Também Amam.

13- Os cinco melhores heróis cavaleiros dos gibis?
Cavaleiro Negro, Cisco Kid, Tex Willer, The Lone Ranger e Red Ryder, poderia listar outros heróis do faroeste, mas acho que não se enquadram na pergunta que é sobre cavaleiros.


14- E quando descobriu que gostava de desenhar?
Quando descobri que não podia comprar todas as revistas que gostaria, e que nem sempre, as cenas mostradas nos quadrinhos eram aquelas que eu gostaria de ver, foi quando passei a dar a minha versão (subverter) dos roteiros.

15- O que você rabiscava?
Principalmente ilustrações com cenas de faroeste e mulheres nuas.

16- Agora vamos falar de sua primeira paixão, as mulheres (que você não fica sem desenhar).
Não sei o que falar, mas eu acho que nós, que fomos de uma geração cuja educação era muito conservadora, buscávamos caminhos que nos permitissem desenvolver nossa sexualidade, cada um dentro de suas possibilidades, a minha era o desenho.
Lembre-se que naquela época não havia revistas masculinas especializadas, e se existiam não tínhamos acesso, então criávamos o nosso próprio veículo, o meu era o desenho, então eu olhava as modelos vestidas nas revistas de modas, ou na revista O Cruzeiro (lembra?) e as desenhava sem roupa e fazia o maior sucesso, recebia inúmeras encomendas dos colegas do bairro e da escola.



17- E a EPA (Escola Panamericana de Arte)?
Não me lembro precisamente quando, mas fiz o Curso dos Famosos Artistas, na EPA, antes dos 18 anos de idade, antes disso já havia feito um curso de Desenhista Projetista.
Foi uma fase mágica, quando eu recebia trabalhos corrigidos ou orientados por profissionais de quem eu era fã naquela ocasião.
Foram 12 meses em que passei sonhando que no futuro seria um artista de renome nacional.


18- Quem foi Carlos Zorian?
Bom, Carlos Zorian foi um cara que viveu uns dois anos, entre os meus 17 e 20 anos, mais ou menos.
Carlos Zorian embarcou no sucesso de Carlos Zéfiro (não é a toa que eles têm as mesmas iniciais) para descolar uma “graninha” naqueles anos difíceis de estudante.
As edições de suas revistas se esgotavam rapidamente, quando vendidas, clandestinamente, nas portas dos colégios e bancas de revistas de rua.
Uma vez meu pai encontrou uma dessas produções e apenas me disse: “Não deixe que sua mãe veja uma coisa desta”. Meu pai sempre foi meu maior incentivador.
Depois chegaram as famosas revistas suecas no mercado brasileiro e o filão se esgotou.


19- Por que o homem encarcerou o desenhista?
Resposta fácil.
Porque não consegui ganhar o dinheiro que pretendia para realizar os meus projetos financeiros com esta profissão, ou porque não tinha talento suficiente para fazer sucesso.

20- Você morou fora do Brasil, fale disso.
A primeira vez que sai do País foi para os EEUU, fui para Tulsa, uma cidade nos estado de Oklahoma.
Oklahoma é conhecido como o estado em que “A América é mais nativa”, e eles se orgulham disso. Lá pude ler e ver um pouco do que realmente foi o velho oeste e a colonização, e como vivem, hoje, os índios em reservas.
Estive também, por conta da empresa em que trabalhava, em quase todos os países da América do Sul, e ainda no México, o que fez crescer em mim um sentimento latino – americano muito grande.

21- E o contador, permitia algumas horas ao AMoreira?
Permitia e ainda permite, por volta dos 45 anos resolvi me dedicar, nas horas vagas, à pintura, óleo sobre tela, e aí nasceu o Amoreira, e o ilustrador ACarlos ficou esquecido.


22- Com os seus quadros, participou de exposições?
Já participei, sim. De exposições coletivas e individuais, tendo até já exposto em Praças Públicas.



23- A aposentadoria está batendo à sua porta, você está desenhando com mais frequência, chegou a vez do AMoreira?
Tenho como objetivo paralelo à minha aposentadoria, a criação de uma Gráfica e Editora, voltada unicamente para a publicação e divulgação de trabalhos de artistas brasileiros, quer seja da ilustração ou de quaisquer outras artes plásticas, usando a ferramenta da Internet.
O incentivo de alguns novos amigos (o entrevistador é o principal deles) me fez voltar a desenhar (praticar), e quem sabe esteja mesmo chegando a hora do Amoreira mostrar de novo a sua cara?

24- Tem planos de criar sua própria HQ?
No momento tenho, sim, mas são só planos, idéias, possibilidades.
Quem sabe participo de algum projeto de alguém com mais experiência do que eu no assunto.
25- Para um possível roteirista interessado, quais os elementos que não podem faltar em sua HQ, além de mulheres nuas (...risos...)?
Certamente não poderá ser uma história contemporânea, terá que ser alguma coisa do século 19 para trás.

26- Você tem um filho desenhista, que conselhos dá a ele?
Na realidade ele é que me dá conselhos com relação a todos esses recursos modernos, agora disponíveis, e me censura por ter abandonado o meu sonho, em troca da estabilidade financeira.
Ele já tem o perfil gráfico de seu personagem, e navega muito bem em todas as técnicas, faltando apenas ser descoberto por uma editora.
Ainda peca em querer fazer muitas coisas ao mesmo tempo, mas isso o tempo resolverá.
Quando ele não está na faculdade ou no trabalho, esta desenhando, e isso está lhe dando o domínio das ferramentas que utiliza.
Ele desenha à mão livre sobre papel, ou desenha através do Corel (também à mão livre), se utilizando do Tablet, diretamente no P.C..
Eu ainda desenho na “prancheta” com lápis, pena e pincel, da forma que eu acho mais prazerosa.
Tenho o orgulho presunçoso de achar que ele herdou todo este talento de mim.
Ele está no caminho certo, vai chegar lá.


27- Um conselho para aqueles que querem ser desenhistas ou que estão começando na profissão.
Não desistam, pratiquem muito, no mínimo 8 horas por dia, porque nesta profissão só a prática levará à perfeição, e não fiquem no âmbito familiar ou da amizade, ou seja, mostrem seus trabalhos para estranhos, pois os parentes e amigos sempre vão elogiar, e vocês nunca saberão o quanto são bons.

28- Agora vamos falar de KEN PARKER, como você o vê?
A parceria Berardi & Milazo foi perfeita e KP é fruto dessa perfeição. Costumo dizer que Milazzo é arte em forma de HQ e KEN PARKER, a sua maior expressão.



29- Quando se deu seu contato com Rifle Comprido?
Veja você como são as coisas, eu, um colecionador de HQ de faroeste, só tomei conhecimento dele quando a Mythos resolveu publicá-lo aqui no Brasil.
Acho que o problema foi que, quando ele saiu pela Vecchi, eu estava fora do Brasil, não sei.

30- Para um expert no gênero, esse encontro foi tardio (...risos...)?
Sim, muito tardio, mas hoje tenho quase todos os números da Vecchi (me faltam dois), todos os da Mythos, oito da Tendência/Tapejara, alguns do Cluq e outros, em italiano, que ganhei de amigos.
Se eu fosse listar os três personagens que mais gosto, KEN PARKER estaria entre eles, mas não o incluo na lista dos três primeiros do Bang Bang.
É claro que ele viveu lá no velho oeste, mas não é uma personagem tradicionalmente de bang bang.
Ele é muito mais glamuroso, discute a consciência humana, e vive suas aventuras em paisagens maravilhosas, se relacionando com o homem e a natureza de forma magistralmente harmoniosa.


31- Tem que escolher, as cinco melhores histórias?
Escolho três: A CARAVANA DONAVER (KP 17/18, Mythos) , ADAH (KP 46, Vecchi e Tapejara) e UM PRÍNCIPE PARA NORMA (CLUQ).

32- As três piores?
As três piores são: A TERRA DOS HERÓIS, A TERRA DOS HERÓIS e A TERRA DOS HERÓIS.

33- Aquela que você abomina (...risos...)?
A TERRA DOS HERÓIS (KP 12, Mythos).

34- KEN PARKER é um cult, no entanto, em nenhum país, nem mesmo na Itália, conseguiu se auto-custear, comente. Não acho, e não sei, se a série lançada pela Vecchi deu prejuízo, se desse prejuízo não iría até o número cinqüenta e tantos. Acredito até que se fosse relançada agora no Brasil teria um bom desempenho de vendas.

35- Fale de Berardi.
Falo de Berardi elogiando seu estado de graça quando da parceria com Milazzo, na criação de KEN PARKER e outros álbuns, pois, sinceramente, não vejo nada de excepcional em seus trabalhos solo.

36- Fale de Milazzo.
Esse sim tem luz própria, sempre o defino como “aquele que faz arte com histórias em quadrinhos”.
Tudo aquilo que censuram nele é arte, os amantes das histórias em quadrinhos, e não vai aqui nenhum demérito a estes leitores, não estão acostumando a ver arte neste veiculo de expressão visual. .

37- Além de KEN PARKER, quais outras obras da dupla você conhece?
Conheço e tenho toda a obra da dupla lançada no Brasil.

38- Como se posiciona quanto a uma possível continuação da saga de Rifle Comprido?
Sou contra a saída dele da prisão, KP foi uma história com princípio, meio e fim, e gosto de histórias (sagas) assim.
A liberdade resultaria em sua volta à Boston e a vida na cidade grande, trabalhando em fábricas e etc., que é a parte que eu menos gosto. Lembre-se que minha paixão é o oeste distante (far west), e não as cidades do leste ou do nordeste americano.
Mas penso que poderia haver novas aventuras, extraídas de suas lembranças anteriores a sua prisão.

39- O que levou você a uma nova interpretação das cenas desenhadas por Milazzo?
A vontade de mostrar a um amigo este meu lado contestador, que gosta de subverter ou fazer releituras dos seus heróis preferidos.
Considero isso uma homenagem.

40- Como é desenhar KEN PARKER, já se sente a vontade com o scout?
Estou pegando o jeito, na realidade isso faz com que eu pratique, e com a prática eu vou recuperando a velha forma e me preparando, quem sabe, para um vôo solo.
Este é meu objetivo, se preciso praticar, então que seja com algo que me dê prazer.

41- Se a última palavra fosse sua, qual seria o final da história de KEN PARKER?
Ele voltaria para as montanhas, para viver o final de seu tempo em harmonia com a natureza.

42- Mais alguma coisa que queira falar?
Que nunca nos falte um gibi para ler, ou filme de faroeste para assistir.
Abraços e obrigado.
Amoreira.



  • Nós é que agradecemos ao Amigo e desejamos, sempre, contar a com sua arte no KEN PARKERBlog.
João Guilherme

4 comentários:

Anônimo disse...

Pra mim nada de ACarlos nem de AMoreira, pra mim é [b]Amora[/b]. Um cara que aos poucos aprendi a respeitar, ainda mais quando vi esse bigodão e a sua estima por western, que me faz desconfiar que é um cowboy ou até mesmo um pistoleiro; e depois passei a admirar, seja pela sua rica vivência e bagagem cultural e também pelo seu dom para os desenhos e essas mulheres maravilhosas.
Então o Amora é como um baú recheado de preciosidades, que vai se dando ao valor a cada vez que apronta uma, como essa interessantíssima entrevista, tão despretensiosa quanto a magnanimidade de Ken Parker, que enche de fulgor todos os seus amigos guerreiros.
Parabéns Amora, você é o cara!
g.g.carsan

Anônimo disse...

GG.
Obrigado pelos comentários.
Agradeço também ao Blog pela oportunidade de contar um pouca da minha história aos amigos.
Abraços.
AMoreira.

Unknown disse...

Moreira, trabalhei na vecchi como redatora e preciso entarr em contato com eles. Você sabe como?
Obrigada.
abraços,
Shirley Fioretti

JoguL disse...

Oi, Shirley!
O Moreira, além de um grande amigo, é um colaborador nosso. Seus contatos com a Vecchi ocorreram quando criança e, como consta em sua entrevista, com os aqueles cuidavam dos estoques dos gibis.
Mas quem sabe não podemos colaborar com você? Só peço que você deixe um e-mail para que possamos conversar em particular.
Abraço,
João Guilherme.